O remédio do momento: Habeas Corpus
Este artigo objeta examinar o instituto jurídico do Habeas Corpus. No entanto, não se busca o exaurimento do tema, mas tão-somente fornecer os esclarecimentos necessários para o entendimento do que é, de fato, este instrumento constitucional voltado à garantia dos direitos individuais relacionados à liberdade de locomoção. Para tal tarefa, primeiramente traçar-se-á uma breve história: do surgimento da ação à chegada ao ordenamento jurídico brasileiro. Em seguida, passar-se-á a suas definições e peculiaridades: previsão constitucional e legal; conceito e natureza jurídica; espécies – liberatório e preventivo; figuras intervenientes e suas respectivas legitimidades; requisitos para a impetração; cabimento; competência, efeitos e forma recursal. Após, buscar-se-á explicar os fatos que levam os convocados a depor frente às Comissões Parlamentares de Inquérito a ingressarem com habeas corpus preventivo frente o Supremo Tribunal Federal, sem esquecer de estabelecer a diferença entre as duas formas de depoimento possíveis de serem prestadas a essas Comissões: testemunha e indiciado. Assim, a proposta deste estudo é esclarecer que esta ação é um direito estabelecido em nossa lei maior, e não uma forma de garantir impunidade e, ainda, fazer com que a discussão sobre esse aspecto do habeas corpus não seja banalizada como vem fazendo a mídia, que, erroneamente, o trata como um mero ardil para escapar ou encobrir uma conduta delituosa.
I – SURGIMENTO DO HABEAS CORPUS
A origem do habeas corpus, segundo a doutrina de Hélio Tornaghi (1988, p.401), Manuel Gonçalves Ferreira Filho (1990, p.74), dentre outros, remonta ao Direito Inglês, mais especificamente à Magna Carta – Magna Charta Libertatum, promulgada em 19 de junho de 1215 pelo Rei João Sem Terra, cedida frente às pressões dos barões, dos condes e do clero inglês, segundo o paradigma da petição que lhe foi entregue por estes (TOURINHO FILHO, 1997, p.516). A previsão vinha no art. 48, verbis: “Ninguém poderá ser detido, preso ou despojado de seus bens, costumes e liberdades, senão em virtude de julgamento de seus pares, de acordo com a lei do país”.
Não obstante este entendimento, que é o majoritário, existem doutrinadores que atribuem o surgimento do remédio a outros períodos históricos: o interdito de libero homine exhibendo do Direito Romano (CAPEZ, 2005, p.489; MIRABETE, 2005, p.769) e o Habeas Corpus Act, também do Direito Inglês, só que no ano de 1679, no reinado de Carlos II (MORAES, 2006, p. 111; MIRABETE, 2005, p.769).
Posteriormente, por via de conseqüência, o habeas corpus, ou writ – como é chamado no Direito Inglês, seguiu os passos dos colonizadores ingleses que partiram para a América do Norte, se fazendo presente na Constituição Americana de 1787, para mais tarde se difundir através da Declaração Universal dos Direitos do Homem, promulgada em 10 de dezembro de 1948 (GALO, 2005), mais precisamente no art. 8.°, que rezou o seguinte: “Toda pessoa pode recorrer aos tribunais para fazer valer os seus direitos. Para isso, disporá de um processo simples e rápido, pelo qual a Justiça o ampare contra atos da autoridade que violem, com prejuízo seu, alguns dos direitos fundamentais consagrados constitucionalmente”.
II – EVOLUÇÃO HISTÓRIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
A entrada do habeas corpus no arcabouço jurídico pátrio ocorreu no ano de 1832, no art. 340 do Código de Processo Criminal, aparecendo da seguinte forma: “Todo cidadão que entender que ele ou outrem sofre uma prisão ou constrangimento ilegal em sua liberdade, tem direito de pedir uma ordem de habeas corpus em seu favor”.
Entretanto, de acordo com Tourinho Filho (1997, p.516 apud MENDES JR., 1911, p. 256) a ordem de habeas corpusjá era implícita na Carta Imperial de 1824. O que Tourinho Filho faz é seguir a mesma linha de raciocínio utilizada por Pontes de Miranda (1955, p.126), o qual dizia que a Constituição Imperial não havia consagrado “o habeas corpus. Todavia, o seu art. 179, § 8°, era de liberalismo que podia conter, perfeitamente, tal remédio processual”, tendo em vista que o referido artigo fazia proibição contra as prisões arbitrárias.
Nesta mesma banda, do aparecimento expresso do mandamus no Código de Processo Criminal, até a Constituição Federal de 1988, inúmeras foram as Cartas que trataram do writ, ora aumentando a abrangência dos direito tutelados, ora alterando a redação dos artigos que tratavam do tema, o que indiretamente acabava por alterar também a interpretação das liberdades protegidas. Desta feita, cabe traçar uma breve listagem dos principais dispositivos e das modificações por eles efetivadas: o advento da Lei 2.033 de 20 de setembro de 1871 acresceu à égide do mandamus a espécie preventiva e, ainda, a possibilidade de estrangeiro impetrá-lo; com a Constituição Republicana de 1891, e seu art. 72, § 22, o remédio elevou-se a garantia constitucional, sendo admitida sua extensão ao amparo dos direitos pessoais, e não só à liberdade física (FERREIRA, 1988, p.31), dando origem à chamada Doutrina Brasileira do Habeas Corpus (TOURINHO FILHO, 2001, p.448/449; FERREIRA FILHO, 1990, p.75), perdurando até a Constituição de 1934, com o surgimento do mandado de segurança; na reforma constitucional de 1926 houve a limitação quanto à abrangência das liberdades, restando ao seu broquel apenas a liberdade de locomoção e o abuso contra prisões ilegais; já, com a outorga da Carta de 1937, as liberdades amparadas se restringiram às de ir e vir; enquanto isto, a Carta de 1946 apenas trocou a expressão ‘liberdade de ir e vir’ por ‘liberdade de locomoção’; mas em 1968, com o Ato Institucional n.° 5, no período ditatorial, foi suspensa a garantia nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, contra a ordem econômica e social e contra a economia popular, sendo revogado somente em 31 de dezembro de 1978 (TORNAGHI 1998, p.405). No mais, não houve alteração normativa. Hoje, vige o dito do art. 5.°, LXVIII da Constituição Federal de 1988.
III – PREVISÃO CONSTITUCIONAL E LEGAL
O habeas corpus, assim como os demais direitos e garantias fundamentais assegurados constitucionalmente pelo Estado Brasileiro ao seu povo, está previsto no art. 5.° da Constituição Federal (CF), cabendo ao inciso LXVIII estabelecer sua previsão maior: “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”.
Já na órbita legal o habeas corpus é balizado pelos artigos 647 a 667 do Decreto-lei n.° 3.689/41 (Código de Processo Penal – CPP) e pelo art. 23 da Lei n.° 8.038/90 que reafirma a aplicação das disposições do Código de Processo Penal no que toca à competência do remédio no Superior Tribunal de Justiça. Além da previsão constitucional e legal, os Regimentos Internos das casas legislativas também estabelecem normas de natureza processual a serem observadas.
Por fim, não obstante a previsão oriunda do Poder Legislativo, o Poder Judiciário também normatiza sobre a matéria; quer nas normas regimentais dos Tribunais Superiores, quer na hora de sumular sobre o tema.
IV – CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA
Etimologicamente a expressão latina ‘habeas corpus’ deriva dos vocábulos habeas (de habeo – ter, tomar, andar com) e corpus (corpo), os quais, literalmente, significam ‘tenha o corpo’ ou ‘ande com o corpo’; ou seja, que se tome a pessoa presa e apresente-a ao juiz para ser julgada. “Ter corpo, ou tomar o corpo, é uma metáfora, que significa a liberdade de ir e vir, o poder de locomoção, o uso dessa liberdade de locomoção livremente, salvo restrições legais a todos impostas indistintamente” (FERREIRA, 1988, p.6).
Juridicamente, enquanto garantia constitucional passiva, trata-se de um remédio constitucional, ou seja, um instrumento colocado “à disposição dos indivíduos pela Constituição Federal, para proteger seus direitos fundamentais” (PINHO, 2006, p.132); já, como garantia ativa, é “uma ação especial, para reclamar o estabelecimento de um direito fundamental violado, o remédio para o mal da prepotência que se manifesta eventualmente contra a liberdade física” (FERREIRA FILHO, 1990, p.75), “o direito de locomoção, o jus manendi, eundi, ambulandi, veniendi, ultro citroque” (TOURINHO FILHO, 2001, p.451); que está privado ou na iminência de o ser, por ilegalidade ou abuso de poder; ressalvados os casos de punição disciplinar; havendo também a faculdade de ser utilizado na forma de recurso.
Agora, no que se refere a sua natureza jurídica, apesar de estar previsto no Livro do Código de Processo Penal que trata dos Recursos em Geral, sua natureza é de ação (MIRABETE, 2005, p.771) penal (CAPEZ, 2005, p.492) constitucional (PINHO, 2006, p.134), de rito sumário ou especial gratuito (art. 5°, LXXVII, CF). Sobre esse rito de caráter sumário ou especial do writ, Diomar Ackel Filho fala que, “[…] induvidosamente, se cuida de ação, com rito especial, atendendo ao seu caráter mandamental e aos fins a que se destina” (1991, p.13).
Acerca dessa mandamentalidade e de sua eficácia, pondera Pontes de Miranda o seguinte: “a sentença concessiva de habeas corpus não declara, nem constitui, nem condena, nem executa – manda… O que em verdade ela faz, mais do que as outras, é mandar: mandar soltar, manda prestar fiança, manda que se expeça salvo-conduto, ou que dê entrada em tal lugar, etc (apud ACKEL FILHO, 1991, p.12).”
Em síntese, o que o doutrinador quis dizer é que esta ação apresenta o caráter mandamental, uma vez que na mesma ação deve haver a carga de eficácia necessária para que, ao mesmo tempo, e no mesmo instrumento, decida e faça cumprir o édito do órgão jurisdicional, seguindo o processo (ACKEL FILHO, 1991, p.12).
V – ESPÉCIES DE HABEAS CORPUS
Duas são as espécies de habeas corpus garantidas pela Constituição Federal:
Habeas corpus liberatório ou repressivo: tem o fito afastar a sujeição ilegal à liberdade de locomoção já existente, visando elidir do constrangimento ou coação àquela pessoa que se encontra presa por ilegalidade ou abuso de poder. Quando prestado, expede-se um alvará de soltura e o preso é posto em liberdade.
Habeas corpus preventivo ou suspensivo: nessa modalidade não há uma ameaça atual e concreta à liberdade de locomoção do paciente, mas sim uma situação de iminência de sofrer uma violência ou coação na sua liberdade ambulatória por ilegalidade ou abuso de poder. Concedido o remédio, expede-se um salvo-conduto e, por meio deste, o paciente recebedor do remédio fica impedido de ser privado de sua liberdade pelo fato que culminou a apreciação do writ pela autoridade prevista para tanto.
VI – FIGURAS INTERVENIENTES
As figuras intervenientes principais na ação de habeas corpus são: o Paciente – pessoa a ser beneficiada pelo mandamus, em face de ter sofrido lesão ou ameaça de lesão na sua liberdade de locomoção; o Coator – indivíduo sem legitimidade legal para exercer coação a outrem e, mesmo assim, exerce, ou então ameaça esta prática; e o Impetrante – o autor, quem pede a concessão da ordem; pode ser tanto o próprio paciente como um terceiro; é a pessoa que impetra a ação.
VII – LEGITIMIDADE AD CAUSAM
A legitimidade para figurar nos pólos da relação processual instaurada pelo habeas corpus é estabelecida pelo caput do art. 654 do Código de Processo Penal, no que se refere à legitimidade ativa, ao rezar que “o habeas corpus pode ser impetrado por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, bem como pelo Ministério Público”; e pelo art. 5.°, LXVIII, in fine, da Constituição Federal, no que toca à legitimidade passiva, quando diz que a violência ou a coação pode ocorrer “por ilegalidade ou abuso de podre”. Isso dito, imperativo analisar cada uma delas separadamente:
Legitimidade Ativa: qualquer pessoa pode impetrar o writ, não importando sexo, idade, estado mental, nacionalidade, profissão, nem conhecimento específico; não há necessidade de capacidade para estar em juízo, muito menos postulatória, podendo até mesmo ser interposto por analfabeto, bastando apenas que alguém assine para ele. Pode também ser interposto por uma terceira pessoa, sem necessidade de procuração, como também por pessoa jurídica. Contudo, em se tratando de pessoa jurídica, frisa-se que esta tão-somente pode impetrar o mandamus, não podendo por ele se beneficiar, em face de não possuir liberdade ambulatória (TOURINHO FILHO, 2001, p.475).
Pode ainda, de acordo com o § 2.° do art. 654 do Código de Processo Penal, ser concedido de ofício pelos juízes e pelos tribunais, quando no curso de determinado processo for verificado que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal; do mesmo modo, poderá ser pólo ativo o juiz que esteja na qualidade de paciente, excluindo a impetração fora dessas possibilidades, porquanto sua função jurisdicional não é postulatória (TOURINHO FILHO, 1997, p.526).
Outro nuance é acerca do Ministério Público, pois, quando o art. 654, caput, do Código de Processo Penal o autoriza, o Promotor deve proceder à impetração dentro de suas funções, principalmente em relação ao art. 127, caput, da Constituição Federal e ao art. 32 da Lei n.° 8.625/93 – Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (MORAES, 2006, p.117); já fora delas, deverá fazer encaixando-se no termo ‘qualquer pessoa’ (GRINOVER et al, 1998, p.359).
Legitimidade Passiva: pode ser ocupada tanto por autoridade pública quanto por particular. Esse será considerado particular quando fora de suas atribuições funcionais ou legais; podendo ser assim consideradas a autoridade judicial, policial, a até mesmo o parquet. O coator, quando particular, deverá agir contra a lei; já, quando autoridade, através de ilegalidade ou abuso de poder.
VIII – REQUISITOS PARA A IMPETRAÇÃO
Os requisitos para a impetração do remédio heróico estão enumerados no art. 654, § 1.°, do Código de Processo Penal: nome do impetrante e do impetrado; declaração da espécie do constrangimento ou, no caso de ameaça, das provas que servem para comprovar o receio do constrangimento; e a assinatura do impetrante, ou de alguém ao seu rogo – na possibilidade do impetrante não ser alfabetizado, bem como as razões em que se funda o temor.
No que concerne à prova, deve essa ser documental, visto ser a forma mais adequada frente à necessidade de celeridade do writ, por ser de mais fácil constatação para procedência do pedido. Ressalta-se que elas não precisam ser totalmente pré-constituídas, pois em determinadas circunstâncias poderá ocorrer a necessidade de se produzir novas informações, posteriores à impetração do mandamus.
Como alerta Diomar Ackel Filho, a forma não deve ser levada a sua rigidez, como nos casos onde há necessidade de produção tardia de prova, v.g., pois o direito deve preponderar sobre a forma, desde é claro, que respeite o prazo para contestação, tanto para a prova pré-constituída, como a ulterior, em face do habeas corpus, devido a sua prova sumária, não possibilitar uma dilação probatória de grande latitude (1991, pp.16-17).
IX – CABIMENTO
As hipóteses de cabimento do habeas corpus estão elencadas no art. 648 do Código de Processo Penal. Contudo, esse rol não é numeros clausus, mas meramente exemplificativo, porquanto existem outras situações não amparadas por este artigo, as quais igualmente são consideradas.
De acordo com o supracitado dispositivo, as hipóteses são as seguintes:
I – quando não houver justa causa;
O termo justa causa refere-se à legalidade, ao cumprimento das formalidades legais, e não à justiça, ao mérito da causa propriamente dito. Cabe, portanto, à autoridade judiciária, a análise da ocorrência de justa causa e das exigências legais para o correto proceder, igualmente como a verificação dos elementos substanciais e formais, devido ao fato do inquérito e do processo penal serem indisponíveis, devendo assim seguir corretamente os ditames exigidos.
II – quando alguém estiver preso por mais tempo que a lei determina;
Este inciso trata das situações onde o preso encontra-se privado de sua liberdade por mais tempo do que o lapso estabelecido em lei; é o excesso de prazo no recolhimento do paciente à prisão.
Neste item há uma divergência doutrinária. Parte da doutrina entende que o lapso temporal que permite a impetração é o dia posterior ao resultado da soma de todos os prazos para finalizar a instrução criminal; sendo, então, de 81 dias – contados da data da prisão até o encerramento do rito ordinário (TOURINHO FILHO, 1997, p.547), embora a lei preveja a sucessão dos atos processuais. Todavia, para outra parte da doutrina, onde se encaixa Tourinho Filho, qualquer prazo, desde que haja compulsoriedade legal, possibilita o cabimento do habeascorpus no seu não cumprimento; bem como a prisão excedente ao tempo da condenação ou ao deferimento da liberdade condicional. Nesse último, se aceitará o remédio heróico para relaxar a custódia do acusado.
Não obstante a discussão doutrinária, a jurisprudência já tem posicionamento firmado; é o que afirma Tourinho Filho (1997, p.548): “[…] no STF, o entendimento dominante é no sentido de que os prazos se contam separadamente, não sendo possível considerar-se que o constrangimento ilegal surja apenas quando se tiver excedido o total dos prazos, de modo que o excesso de uns possa ser compensado pela economia de outros (cf. RTJ, 33/191, 33/785, 35/585, 39/368 e 39/544, apud informações da Associação Paulista do Ministério Público, ficha 0006).”
III – quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo;
Excluída a hipótese de flagrante delito, a prisão só pode ser determinada por despacho fundamentado da autoridade judiciária competente. Assim, v.g., toda e qualquer prisão determinada pela autoridade policial, fora das hipóteses de flagrante delito, implica constrangimento ilegal, porque lhe falta a competência para determiná-la.
IV – quando houver cessado o motivo que autorizou a coação;
Ocorrida a prisão com justa causa e, ulteriormente ocorrendo a cessação do motivo que a autorizou, deverá de imediato ocorrer a liberação do preso, pois não pode continuar a incidência dos efeitos de algo que não mais possui eficácia.
V – quando não for alguém admitido a prestar fiança nos casos em que a lei a autoriza;
O art. 5.°, XLVI, da Constituição Federal fala que ao ser cabível fiança, e não sendo esta concedida, caberá o writpara que haja a soltura do aprisionado, desde que os demais requisitos, objetivos e subjetivos, estejam preenchidos.
VI – quando o processo for manifestamente nulo;
Quando determinado ato não preenche os requisitos formais, devido à solenidade do processo, ocorre uma nulidade, uma mácula, a qual resultará na postura em liberdade do acusado; todavia, somente nos casos em que houver um nexo entre a prisão ilegal e a nulidade.
As nulidades podem ser reconhecidas com o processo ainda em andamento, bem como após o trânsito em julgado da sentença. Estas, por sua vez, são em número de três, mas somente duas autorizarão o remédio, a saber: a nulidade insanável e a sanável argüida e não atendida; em virtude da nulidade superável não pôr termo ao processo (ACKEL FILHO, 1991, p.36).
VII – quando extinta a punibilidade;
As causas de extinção da punibilidade estão expressas no art. 107, do Código Penal (CP), não sendo um rol taxativo, pois como lembra Hélio Tornaghi (1988, p.407), “a punibilidade também se extingue nos seguintes casos: ressarcimento do dano na hipótese de peculato culposo (CP, art.312); morte do cônjuge induzido em erro (CP, art.236); morte do cônjuge ofendido (CP, art. 240, § 2.°)”.
Diametralmente em oposição às hipóteses de cabimento, encontram-se os casos onde não cabe o habeas corpus.
O art. 647, in fine, do Código de Processo Penal, encarrega-se desta incumbência, estabelecendo as exceções à possibilidade de interposição do mandamus: “Dar-se-á habeas corpus sempre que […] salvo nos casos de punição disciplinar“. Em face disto, não é em qualquer situação de cerceamento de liberdade de locomoção que caberá o writ, uma vez o art. 142, § 2.º da Constituição Federal, também mencionar que “não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares”. O art. 144, § 5.°, da Constituição Federal estende o alcance à Polícia Militar, já que esta é auxiliar do Exército.
Neste diapasão, se deduz que tais exceções serão definidas pelo Código Penal Militar, o qual possui a incumbência pelos atos dos militares, sem olvidar que o pilar das organizações militares é a hierarquia, aonde sempre existirão superiores e subordinados; e, corroborando este tópico, Alexandre de Moraes (2006, p.127) diz o seguinte: “a Constituição Federal não impede o exame pelo Poder Judiciário dos pressupostos de legalidade a saber: hierarquia, poder disciplinar, ato ligado à função e pena suscetível de ser aplicada disciplinarmente”.
X – COMPETÊNCIA
Para seu perfeito estabelecimento, existem regras expressas no capítulo destinado a esse writ no Código de Processo Penal e, também, na própria Constituição Federal.
A competência segue os critérios de territorialidade e hierarquia, ou seja: deve o habeas corpus ser pleiteado na comarca ou circunscrição judiciária de competência da autoridade – juiz ou tribunal (art. 649, CPP), do local onde está por ocorrer, ou já está ocorrendo, a constrição da liberdade ambulatória do paciente; e, da mesma forma, a impetração deve ocorrer frente à autoridade diretamente superior àquela de onde provém a constrição, ou ameaça de constrição ao jus ambulabi do paciente (art. 650, § 1.o, CPP), respectivamente.
Nesta esteira, a competência para conhecer do manadamus também se processa por prerrogativa de função, cabendo a diferentes órgãos do judiciário sua apreciação, dependendo da pessoa que é o paciente ou o coator. Portanto, necessário se faz analisar a competência divididamente, por órgão do Judiciário.
Competência do Supremo Tribunal Federal (STF): o art. 102, I, ‘d’, da Constituição Federal, estabelece a competência originária do Supremo Tribunal Federal para processar e julgar originariamente os habeas corpus por prerrogativa de função, quando o paciente for uma das pessoas elencadas nas alíneas ‘b’ e ‘c’ deste mesmo inciso, a constar: o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes da missão diplomática de caráter permanente.
Será ainda de sua competência (art. 102, I, i, CF), o habeas corpus quando o coator for Tribunal Superior ou quando coator ou paciente for autoridade ou funcionário cujos atos estejam sujeitos diretamente à jurisdição do Supremo Tribunal Federal, ou se trate de crime sujeito à mesma jurisdição em uma única instância.
Importante também é saber da competência do Supremo Tribunal Federal em situações especiais, nas quais embora não seja sua competência originária, a prática de determinados atos o torna coator, da mesma forma como se proferisse uma sentença ilegal: confirmação em grau recursal de sentença de primeiro grau ilegal e recurso da acusação contra sentença absolutória, também de primeiro grau, pois deveria perceber a ilegalidade.
Competência do Superior Tribunal de Justiça (STJ): a competência do Superior Tribunal de Justiça está igualmente listada na Constituição Federal, só que no art. 105, I, c; estabelecida então a competência originária por prerrogativa de função, mas ao contrário da do Supremo Tribunal Federal onde a competência está ligada somente à pessoa do paciente, a do Superior Tribunal de Justiça aplica-se para os casos em que o coator ou o paciente sejam quaisquer das pessoas enumeradas na alínea ‘a’ do mesmo artigo: os Governadores dos Estado e do Distrito Federal, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais. Agora, explanando-se somente em relação ao coator, ainda estarão sobre a sua égide os Tribunais sujeitos a sua jurisdição, Ministros de Estado ou Comandantes da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica. Observadas sempre as restrições expressas nos próprios dispositivos.
Competência dos Tribunais de Segundo Grau: serão competentes os Tribunais de Segundo Grau da mesma forma que Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, julgando as pessoas que estão sujeitas à sua jurisdição em matéria criminal, tanto para o paciente como para o coator. Encaixados no termo Segundo Grau estão os Tribunais Regionais Federais; com competência originária para julgar o habeas corpus quando a autoridade coatora for juiz federal (art. 108, I, d, CF).
Com referência às justiças especiais, será competente a justiça correspondente à matéria relacionada a elas, como é o caso expresso da Justiça do Trabalho no art. 114, IV, CF, e dedutível na Justiça Eleitoral (art. 120, § 3.°, CF).
Competência do Juíz de Primeiro Grau: os juízes de Primeiro Grau são competentes quando os coatores encontram-se em igual grau de hierarquia ou inferior ao seu, daí enquadrando-se o ato de particular e o ato de Delegado. Terá sua jurisdição delimitada pelos critérios territoriais de fixação de competência, sendo competente dentro de sua comarca ou circunscrição judiciária; aquela deverá ser a mesma onde está ocorrendo a coação ou a ameaça ao direito de locomoção da pessoa. Alude a Constituição Federal, no art. 109, VII, que competirá ao juiz federal processar e julgar o habeas corpus, em matéria criminal de sua competência ou quando o constrangimento provier de autoridade cujos atos não estejam diretamente sujeitos a outra jurisdição.
XI – EFEITOS E FORMA RECURSAL
Quando da impetração do habeas corpus, o juiz ou o tribunal competente verifica o preenchimento dos requisitos e dos elementos da ação. Pode, então: rejeitar liminarmente o writ na hipótese de não preenchimento dos requisitos; julgar prejudicado o pedido, no caso de ser verificada a cessação da violência ou grave ameaça (art. 659, CPP); deferir liminarmente, quando esta faculdade for exercida e as provas se façam bastar – independentemente da autorização legal, necessitando apenas a presença do fumus boni iures e do periculum in mora (art. 660, § 2, CPP); e, por último, pode receber sem a concessão liminar, seguindo os procedimentos do art. 660, caput, do Código de Processo Penal, ou seja, efetuar as diligências necessárias, interrogar o paciente e, após, decidir fundamentadamente dentro de 24 horas.
Adentrando no plano da eficácia produzido pela concessão do habeas corpus, os efeitos variam em função da espécie do remédio pleiteada.
Efeito da concessão na modalidade liberatório: se os documentos que instruem a inicial comprovarem a ilegalidade da coação, ordenar-se-á a cessação da mesma (art. 660, § 2.°, CPP). A ordem da autoridade judiciária porá o paciente em liberdade – excetuam-se os caso que o preso não pode ser liberado ou deva ser mantido cativo por outro motivo (art. 660, § 1.°, CPP), ordenando-se a sua soltura. Incontinenti será enviada cópia da decisão à autoridade que tiver ordenado a prisão ou tiver o padecente a sua guarda, a fim de se juntar aos autos do processo (art. 660, § 5.°, CPP) e, por conseguinte, condenada às custas processuais a autoridade que deu causa ao writ, sendo enviadas ao parquet as cópias necessárias do remédio, para proceder a responsabilidade daquela (art. 653, parágrafo único, CPP).
Quando o detentor e o coator não se confundem na mesma pessoa, o detentor deverá declarar à ordem de quem o paciente está preso (art. 658, CPP); pode o juiz, ao seu alvedrio, mandar que o preso lhe seja apresentado em dia e hora marcados (art. 656, parágrafo único, CPP), sob pena de ser expedido mandado de prisão para o detentor caso não cumpra a ordem judicial, somente sendo aceito como motivos para a sua não apresentação os elencados no art. 657, I, II e III, do Código de Processo Penal. Será facultado ao magistrado visitar o preso, no caso de enfermidade deste. Ocorrido qualquer embaraço ou procrastinação na ordem de habeas corpus, será penalizada com multa a pessoa que agiu de má-fé. Nessa mesma banda, se o pedido fundar-se na falta de admissão de fiança, esta será arbitrada pela autoridade judicial competente (art. 660, § 3.°, CPP).
Efeito da concessão na modalidade preventiva: nesta hipótese, de acordo com o art. 660, § 4.°, do Código de Processo Penal, dar-se-á salvo-conduto ao paciente, de modo que não possa vir a ser preso pelo mesmo motivo que deu causa à impetração do remédio heróico.
Por derradeiro, no que tange à eficácia, salienta-se que a concessão da ordem não obsta nem põe fim ao processo (art. 651, CPP), mas se for concedido em virtude de nulidade do mesmo, este será renovado (art. 652, CPP). Quando houver casos de outras pessoas se encontrarem na mesma situação, excluídos os casos de caráter exclusivo, esse efeito se estenderá para as outras (art. 580, CPP).
Referente à forma recursal do habeas corpus, são dois os recursos cabíveis: o de ofício e o em sentido estrito. É sabido que em regra os recursos são voluntários, ocorre que quando se trata de habeas corpus os autos devem ser compulsoriamente remetidos de ofício, quando concessivo, para uma nova análise em grau recursal (art. 574, I, CPP). Da mesma forma, caberá recurso em sentido estrito, de acordo com o art. 581, X, do Código de Processo Penal, tanto para o concessivo como para o denegatório, só que não mais compulsoriamente, mas sim voluntariamente: efetuado pelo impetrante ou pelo paciente, no caso de sentença denegatória; e pelo coator ou o próprio Ministério Público no caso de concessória.
Em sentido ordinário, caberá o recurso nos casos de denegação do remédio, dirigido ao Supremo Tribunal Federal quando o writ tiver sido decidido em uma única ou última instância pelos Tribunais Superiores (art. 102, II, a), para o Superior Tribunal de Justiça nos casos de decisões em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais, ou pelos Tribunais dos Estados e do Distrito Federal (art. 105, II, a). O procedimento desses recursos é estipulado pela Lei 8.038/90, tendo prazo de 5 dias para a interposição e mais 2 para vistas ao Ministério público, sendo aplicado subsidiariamente o disposto com relação ao pedido originário de habeas corpus (arts. 30, 31 e 32); com relação ao Supremo Tribunal Federal, deverá esse seguir os ditames de seu Regimento Interno.
Ainda em sede recursal, se aceitará o recurso especial e o extraordinário às decisões recorridas advindas dos tribunais, depois de verificados os pressupostos de admissibilidade; o especial pelo art. 105, III, a, b e c, e extraordinário pelo art. 102, III, ‘a’, ‘b’ e ‘c’, ambos da Constituição Federal.
XII – AS CAUSAS QUE LEVARAM O HABEAS CORPUS A SER CONSIDERADO O ‘REMÉDIO DO MOMENTO’
É sabido, notório e perceptível a todos nós as denúncias de corrupção envolvendo membros de nossos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, e de órgãos da administração direta e indireta, de empresas públicas e paraestatais. Essas denúncias assolaram nosso Palácio do Planalto, tomando de atividade intensa o Congresso Nacional e suas Casas, aviltando o povo de uma maneira nunca antes vista, frente ao acesso cada vez maior aos meios e veículos de comunicação, os quais propiciam a chegada mais rápida da informação aos telespectadores, ouvintes, leitores e internautas.
Frente a este quadro, o Poder Legislativo, que tem como função típica “legislar e fiscalizar, tendo ambas o mesmo grau de importância” (MORAES, 2006, p.389), exerceu seu dever-poder fiscalizatório através da instauração de Comissões Parlamentares de Inquérito, como autoriza o art. 58, § 3.º da Constituição Federal:
“§ 3.º As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.”
Os membros das Comissões Parlamentares de Inquérito, por sua vez, estão amparados legalmente para proceder à oitiva de indiciados, bem como a inquirição das testemunhas; é o que diz o art. 2.º da Lei n.º 1579/52:
“Art. 2.º No exercício de suas atribuições, poderão as Comissões Parlamentares de Inquérito determinar as diligências que reputarem necessárias e requerer a convocação de Ministros de Estado, tomar o depoimento de quaisquer autoridades federais, estaduais ou municipais, ouvir os indiciados, inquirir testemunhas sob compromisso, requisitar de repartições e autarquias informações e documentos, e transportar-se aos lugares onde se fizer mister a sua presença.”
De acordo com a exegese do artigo supracitado da Lei n.º 1579/52, fica evidente a diferença no tratamento de quem é intimado a depor como indiciado e de quem o é como testemunha. Baseado então nesta diferenciação, principalmente no tocante à diversidade de tratamento dado e no que tange à concessão de garantias constitucionais diferentemente às duas figuras, assim como na confirmação do direito de permanecer calado, direito este assegurado dentro da garantia maior de não se auto-incriminar, é que ocorre a proliferação de impetrações de habeas corpus preventivos frente ao Supremo Tribunal Federal, competente em razão de prerrogativa de função para que seja impetrado o writ nas hipóteses em que a autoridade coatora é membro do Congresso Nacional.
Postulam então os impetrantes – baseados em experiências passadas, nas Comissões outrora realizadas, onde depoentes deixavam a sessão presos, por proferirem declarações que os incriminassem, a concessão de salvo conduto, para assegurar a ampliação das garantias constitucionais concedidas aos futuros depoentes, como também a afirmação de outros difusamente em seu remédio, por via da Corte Excelsa brasileira, dentre elas: direito de ser dispensado da obrigação de assinar o compromisso de dizer a verdade; direito de ter a assistência de um defensor; direito de durante o depoimento não responder a perguntas que possam incriminá-lo e poder permanecer calado quando entender necessário, ou então, quando for orientado pelo seu defensor, sem que esse comportamento possa vir a ser interpretado contra si – em seu desfavor, ou sua defesa; assim como o direito de ser tratado dignamente e ter respeitadas todas as garantias constitucionais e legais que lhe são asseguradas.
XIII – A DIFERENÇA ENTRE TESTEMUNHA E INDICIADO
Como já mencionado, as Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), no exercício de suas atribuições, poderão ouvir os indiciados e inquirir testemunhas. Como se percebe, existe um tratamento diferenciado aos que irão depor nas Comissões como testemunha para aqueles que irão depor na qualidade de indiciado, principalmente no que concerne aos direitos e garantias que diferenciam um do outro; destarte, mister se faz estabelecer a diferenciação entre essas duas modalidades de depoimentos:
Indiciado: é o sujeito que tem contra si somente indícios da prática de crime ou irregularidade, não podendo ser confundido com réu, porque não possui uma acusação já formalizada na área penal. Não é tarefa de uma Comissão Parlamentar de Inquérito processar indiciados, mas tão-somente ouví-los e, depois de encerrado seu labor, cabe encaminhar o produto ao Ministério Público para a promoção da responsabilidade civil ou criminal dos infratores, na hipótese de serem positivas as investigações (art. 58, § 3.°, in fine, CF).
O indiciado possui a faculdade de permanecer calado, sem que o silêncio importe em confissão; sendo asseverado no fito de que não sejam produzidas por ele, provas contra si mesmo (art. 186, parágrafo único, CPP), além de ser assegurada a assistência da família e de advogado (art. 5.°, LXIII, CF). A presença do advogado é amparada pelo princípio da ampla defesa (art. 5°, LV, CF). Quanto a mentir, este não é “um direito do acusado, mas sim uma tolerância que o Estado acaba por admitir em favor do réu e de seu amplo direito de defesa” (GONÇALVES, 2005).
Por fim, outra prerrogativa dos indiciados é a de no caso de não comparecimento sem justificação para a prestação do depoimento no dia, hora e lugar pré-determinados, não poderem ser conduzidos à força, pois o art. 3.° da Lei n.° 1.579/52, fazendo alusão ao art. 218, do Código de Processo Penal, diz ser restrito à função de testemunha a condução à força, sendo omissos quanto a figura do indiciado, daí caberá o art. 5°, II, Constituição Federal, ao rezar que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Caso seja desrespeitado este preceito, caberá o remédio heróico do habeas corpus (art. 654, § 2.°, CPP). José Luiz Mônaco da Silva, citando Saulo Ramos ressalta que indiciados “não podem ser compelidos a comparecer perante qualquer comissão de inquérito. E, se eventualmente comparecer, os indiciados não estarão obrigados a depor” (1999, p.66).
Testemunha: é a pessoa que em função de ter visto determinado acontecimento, ou tão somente tomado ciência, terá contra si uma série de perguntas relacionadas aos fatos investigados. Para seu testemunho serão intimadas por mandado, seguidos os ditames do Código de Processo Penal, incluído aí a citação em dia e hora pré-determinados – neste ponto abrange igualmente os indiciados.
Quanto às testemunhas será aplicado o dizer do art. 3.°, § 1.°, da Lei n.°1.579/52, que é o comparecimento através de coerção àquela que não compareceu sem justificado motivo, o que não ocorre com os indiciados, encaminhando para aplicação do art. 218, Código de Processo Penal; isso, porque os integrantes das Comissões não possuem competência para tanto, necessitando, portanto, de ordem judicial e auxílio de força policial, dado ser este um poder inerente e indelegável da polícia.
Outra questão relevante é em torno da testemunha que desobedece alguma ordem legal advinda de funcionário público, no caso, os membros do Congresso Nacional; cometeria assim crime previsto no artigo 330 do Código Penal – Crime de desobediência; podendo ser presa em flagrante (art. 302, CPP).
O art. 2.°, da Lei n.° 1.579/52, refere-se a “inquirir testemunhas sob compromisso”; isto dito, afirmasse que preliminarmente ao início do depoimento o depoente deverá assumir o compromisso de dizer a verdade e relatar o que souber, sobre palavra de honra (art. 203, CPP), e desde que lhe seja perguntado (art. 4.°, II, da Lei n.° 1.579/52), sendo crime de falso testemunho ou falsa perícia, previsto pelo art. 342, Código Penal, e “de outro modo não poderia ser já que o julgador leva em conta o depoimento prestado pela testemunha para firmar sua convicção e distribuir justiça por meio da prestação jurisdicional” (GONÇALVES, 2005).
Agora, quanto ao advogado, será aceito apenas para o depoimento e, somente para efetuar a fiscalização do ato – da oitiva, zelando pelos interesses de seu constituinte, sendo-lhe vedado interromper de qualquer forma.
XIV – CONSIDERAÇÕES FINAIS
Verifica-se que o habeas corpus – mais precisamente a espécie preventiva, tornou-se o ‘remédio do momento’ frente às questões relacionadas às Comissões Parlamentares de Inquérito e seus depoimentos.
Este writ, ao contrário do que pensa a grande parte da população, é um remédio legal, um instrumento para que seja acionado um direito-garantia do cidadão frente ao Estado, quando na ameaça de uma garantia individual: o direito à liberdade de locomoção; sendo erga omnes, assim como as demais garantias que o Estado deixa à disposição do povo em sua Carta Maior.
Infelizmente, é sabido que a população brasileira carece de informação – adequada e técnica, para um perfeito esclarecimento e cognição do contexto social hodierno. Nesta conjuntura, os meios de comunicação, tanto os particulares quanto os órgãos vinculados ao governo, os quais deveriam aclarar a população sobre os fatos jurídicos e as manifestações sociais que ocorrem na sociedade brasileira, no cumprimento de sua função de informar, vêm fazendo seu trabalho de uma forma superficial e muitas vezes prejudicial à ordem social nacional.
A mídia privada não vem cumprindo adequadamente sua função de informar, visto aparentar ser mais convincente e vantajoso alimentar a crise, ao passo de suscitar os questionamentos que a população carece. Ao utilizar suas reportagens exclusivamente como meio de obtenção de receita, vale-se de manchetes que induzem o leitor que desconhece a lei a conclusões inverídicas da realidade, levando o povo a crer que o remédio é uma faculdade exclusiva, uma prerrogativa de membros dos três Poderes e da alta cúpula da Administração Pública. De outro lado, mas não isentos de culpa, estão os órgãos governamentais, indiferentes ao que ocorre frente aos seus olhos. Essa omissão faz com que a crise aumente ainda mais, tendo em vista o crescente descontentamento e descrença para com as Instituições Públicas de Direito.
Assim exposto, conclui-se pela necessidade de um maior esclarecimento da população acerca do instituto do habeas corpus, a fim de que seja preservada a fidúcia nas instituições de direito e a sua credibilidade em face do tratamento igualitário todos os cidadãos, principalmente neste momento em que cada vez mais se esvai a confiança em nossos representantes políticos.
Artigo escrito por Rafael Vargas Hetsper e publicado no website Âmbito Jurídico.