Medida Protetiva para Homens – Possibilidade – Art. 319, inciso III CPP.

RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 135480 – SP (2020/0258495-9)

DECISÃO

Trata-se de recurso em habeas corpus interposto por RENATA FARIA ALVES ANTUNES contra acórdão do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO assim ementado (fl. 95): Habeas Corpus – Medida cautelar protetiva – Decisão devidamente fundamentada na necessidade da segregação da Paciente para garantia da incolumidade física da vítima, seu ex-noivo – Concessão das medidas cautelares com base no poder geral de cautela – Constrangimento ilegal não evidenciado – Ordem denegada. A recorrente relata que foi acusada pelo ex-noivo de suposta prática dos delitos de injúria, difamação e calúnia. A ela foi imposta, com base na Lei n. 11.340/2006, medida cautelar de afastamento da vítima, familiares e testemunhas, concedida em plantão judiciário. Alega a desnecessidade da medida, especialmente diante de suas condições pessoais favoráveis, da ausência de gravidade do delito. Afirma trr “amizade com a genitora do filho mais novo do seu ex-noivo, sendo que tal medida afasta a paciente de qualquer familiar de seu ex” (fl. 101). Aduz que a Lei Maria da Penha não é aplicável ao caso em que o ofendido é do sexo masculino. Diz ser a medida constrangedora por estar sendo cerceado seu direito de ir e vir. Requer, liminarmente e no mérito, a revogação da medida protetiva com base na Lei Maria da Penha ou no art. 319 do CPP. O pedido de liminar foi indeferido às fls. 126-127. O Ministério Público Federal manifestou-se pelo não conhecimento do writ e, caso dele se conheça, pela denegação da ordem. (fls. 138-141). É o relatório. Decido. O Tribunal de origem manifestou-se sobre os seguintes pontos apresentados nas razões do habeas corpus (fls. 96-97): Sustenta o Impetrante a existência de constrangimento ilegal, visto que as disposições da Lei Maria da Pena não seriam aplicadas as vítimas do sexo masculino, como estaria ocorrendo no presente caso. No entanto, depreende-se dos autos que a r. decisão de fls. 41/43, que a medida foi deferida com base no poder geral de cautela do Magistrado, nos termos do artigo 319, inciso III, do Código de Processo Penal. Portanto, diversamente do alegado pelo Impetrante, não se vislumbra na r. decisão ora combatida que a medida cautelar tenha como base a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06). Como bem destacou o ilustre Promotor de Justiça em seu Parecer, “… como a d. autoridade impetrada bem registrou no penúltimo parágrafo:” Proceda-se a distribuição do presente feito ao Juízo Criminal comum, por não se tratar de violência doméstica contra a mulher, no próximo dia útil após ao plantão judiciário “(grifei)…” (fl. 90). E a documentação carreada aos autos corrobora os argumentos de Denis, ex-noivo da Paciente, e o processo encontra-se aguardando o oferecimento da queixa-crime ou o decurso do prazo decadencial. Por fim, as medidas cautelares fixadas em Primeiro Grau não se mostram desarrazoadas ou exageradas. Assim, por não se vislumbrar o alegado constrangimento ilegal que possa estar a sofrer a Paciente, a solução que melhor se afigura é a denegação da ordem. Diante do exposto, pelo meu voto, denega-se a ordem de habeas corpus impetrada, nos termos acima descritos. A despeito disso, as medidas de assistência e proteção previstas na Lei n. 11.340/2006 têm aplicação restrita à mulher, numa perspectiva de gênero e em condições de hipossuficiência ou vulnerabilidade. In casu, não se verifica existir violência de gênero feminino, visto que os crimes foram praticados por mulher contra ex-noivo, o que afasta, a princípio, a incidência da norma mencionada. Contudo, de acordo com o art. 129, § 9º, do Código Penal, tanto o homem quanto a mulher podem ser vítimas de violência doméstica, não fazendo a lei restrição ao sujeito passivo. A condição de vítima em um relacionamento abusivo não é exclusiva das mulheres, basta a existência de relação familiar ou de afetividade entre as pessoas envolvidas. Para que a suposta vítima não ficasse desamparada de medidas eficazes para sua proteção, o Tribunal, ao analisar o writ, considerou que a medida fora “deferida com base no poder geral de cautela do Magistrado, nos termos do artigo 319, inciso III, do Código de Processo Penal”. Ademais, a autoridade coatora à fl. 42, finalizou a decisão nos seguintes termos: “Proceda-se a distribuição do presente feito ao Juízo Criminal comum, por não se tratar de violência contra a mulher, no próximo dia útil após ao plantão judiciário”. Assim, não foi demonstrada ilegalidade na decisão impugnadaa, mas possível erro material, o que não inviabiliza o exercício da ampla defesa, na medida em que a recorrente irá defender-se dos fatos tipificados que serviram de base para a fixação das medidas. Vale dizer, o Juízo de primeiro grau fixou, de maneira fundamentada e com base na proporcionalidade em sentido estrito, as medidas necessárias à cessação da importunação da vítima e de sua família, de modo a tornar a decisão, além de eficaz, eficiente. Essa orientação está de acordo com a jurisprudência do STJ de que, diante das circunstâncias concretas do caso e em observância ao binômio proporcionalidade e adequação, é possível a aplicação das medidas cautelares alternativas quando se mostrarem suficientes para garantir a ordem pública, a conveniência da instrução criminal e a aplicação da lei penal ( AgRg no HC n. 623.414/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJe de 4/12/2020). Registre-se também que a aplicação de medidas cautelares alternativas previstas regularmente no estatuto processual penal está dentro da competência de valoração jurisdicional do Estado-Juiz. Assim, motivada de forma concreta e demonstrada a necessidade da aplicação, não há razão para seu afastamento, o que somente poderia ser avaliado pelo STJ caso a recorrente comprovasse, de plano, constrangimento ilegal decorrente da ilegalidade ou da desproporção manifesta da medida, o que não ocorreu na espécie. Por fim, eventuais condições subjetivas favoráveis da recorrente, como residência fixa e trabalho lícito, não impedem a prisão preventiva quando preenchidos os requisitos legais para sua decretação. Vejam-se os seguintes precedentes:?AgRg?no HC n. 585.571/GO, relator Ministro Joel Ilan?Paciornik, Quinta Turma, ?DJe?de 8/9/2020; e RHC n. 127.843/MG, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma,?DJe?de 2/9/2020. Ante o exposto, com base no art. 34, XVIII, b , do RISTJ, nego provimento ao recurso ordinário em habeas corpus. Publique-se. Intimem-se. Brasília, 08 de maio de 2021. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA Relator

 

(STJ – RHC: 135480 SP 2020/0258495-9, Relator: Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Data de Publicação: DJ 12/05/2021)